sexta-feira, 30 de abril de 2021

CdF - Epílogo

 Epilogo


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Ontem foi, provavelmente, o dia mais tenso na vida da Fernanda. A primeira vez que ela foi totalmente como a mulher linda que ela é. Haviam se passado alguns meses e o ano passado acabou voando tão rápido e com tanta coisa sendo feita simultaneamente que, mesmo com tudo agendado, ela não se sentiu a vontade para bagunçar a Lótus. Ainda não.

Lembro bem do dia que fui comunicar a Rafaela que, depois da virada do ano, ela não teria mais um funcionário e sim uma funcionária. Ela quis saber detalhes, me chamou para o almoço naquele restaurante que nunca foi pro meu bico e contei tudo. Falei das crises, das conversas que tínhamos e de todos os próximos passos. Acho que era meio de outubro ou um pouco antes... Ela quis saber até se Fernanda faria a cirurgia. Respondi que sim, dali alguns dias e, por isso, íamos nos ausentar. Por incrível que pareça ela aceitou de boa, era como se ela soubesse o quanto Fê precisava daquele apoio, aquela base.

E pensar que a cirurgia ocorreu tão bem e a recuperação foi tão rápida que me assustei. Ver Fernanda, agora uma mulher por dentro e por fora me causou uma pequena estranheza inicial... mas, tudo estava ali. Rafaela deixou que ela ficasse de licença um prazo maior do que o do atestado. Naquele tempo ela fez inúmeras demandas pro meu setor para algumas propagandas inclusivas de pessoas trans e coisas do tipo. Além disso promoveu cursos, seminários internos... ela tinha o poder de pavimentar um bom caminho até o regresso da borboleta agora dona das próprias asas.

Aquele ano a Lótus entrou em férias alguns dias antes para algumas reformas no prédio ou algo do tipo. Ainda bem, pois nesses dias extras pudemos correr atrás dos documentos. Quando a identidade saiu Fernanda ficou longos minutos olhando para a própria imagem naquela foto minúscula e que todo mundo sai horrível. Por algum complô do universo ela saiu linda, essa desgraçada aprendeu a se maquiar tão bem quanto eu.

Passados alguns dias fomos ao shopping juntas, ela uma mulher mais alta e eu, para não ficar muito baixa, tive que me virar com salto. Naquele dia senti saudade do meu all star. Depois fomos a um pagode e lembrei daquele dia da sessão de fotos... ela estava maravilhosa. Ficamos alguns dias na Ilha que a mãe dela mora e depois fomos passear pela Metrópole. Eu confesso que ia ficando tensa conforme o dia do regresso ao trampo ia chegando... como ela reagiria? Como os outros reagiriam? Que medo.

No dia do regresso todo mundo olhou com estranheza, alguns perguntaram quem era, outros descobriram logo de cara, mas, fora a estranheza, não notei nenhum preconceito ou até mesmo algo que pudesse soar ofensivo. O treinamento somado às constantes evoluções do mundo foram determinantes para que chegássemos aqui... aquela pandemia fez muita gente repensar o que era certo e o que era errado também. A recepcionista olhou estranho, achei que ela ia dizer alguma coisa como não ser de deus ou coisa do tipo... graças que não.

No fim a aceitação dela foi tão boa e tão positiva que acho que tive medo a toa. Mas também, conhecendo minha borboletinha como conheço, sei que ela tem incontáveis voos a realizar ainda. Sobretudo agora que é minha subordinada na empresa... vai ser uma nova fase pra nós duas, um aprendizado. Não sei como acharam que eu era boa o suficiente para substituir o Borges que foi trabalhar numa multinacional de alimentos com, dizem, um salário menor mas com muitas viagens internacionais pra fazer pela nova empresa. Sucesso pra ele.

Guardei esse último instante para olhá-la na janela, escovando o cabelo seminua. A cada passada os fios pareciam ganhar mais brilho, aquela cintura mais desenhada, os seios que vieram um pouco menores que os meus e aquela bunda... ah aquela bunda. Os anos de ciclista dela estavam ali naquele patrimônio que é só meu. O foda de pensar nas mudanças estéticas de Fernanda é ver o quanto ela não mudou por dentro. Continua uma criança que coleciona carrinho e gosta de ver corrida de carro na TV, que cozinha divinamente bem, tem um senso de humor único... o tanto de coisa que mudou nela não mudou em nada o meu sentimento por ela, aliás, mudou sim. Amo ela cada dia mais sendo dona de si, sendo a mulher que ela nasceu para ser e o melhor: sendo minha mulher. Nada é mais perfeito que isso.
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- E aí, o quê achou?

- Que nós duas - Fernanda me olhou fixamente - temos um futuro brilhante escrevendo.


- Acha mesmo?


- Acho sim - Ela deu uma olhada para a tela - Algumas pequenas adaptações e pode virar um livro, quem sabe filme, série... já pensou?


- Não viaja, mô...


- Não tô viajando.


E assim, selamos o contrato de parceria com um beijo. Oficialmente temos uma história para começar a contar e que irá durar muitos e muitos anos ou, como diria o poeta: infinito enquanto dure. E, enquanto durar, será repleto de amor.

sábado, 9 de janeiro de 2021

Dois

 

Passou o dia 5 e, por N motivos eu não consegui postar o que eu queria... então esperei o dia certo pra fazer esse post. Então é hora de estralar os dedos e escrever um pouco.


Mas o que tem o dia 5 de janeiro de tão especial? Simples: faz 2 anos que eu recebi a saia, aquela que foi o divisor de águas do que eu era pro que eu sou. Foram tantas descobertas, tantas coisas que fixei no meu novo eu que acho que não consigo descrever em palavras sabe? Mas vou tentar.

Tive sessão de terapia (menines, papo sério: façam terapia! Procurando bem sempre acha uma bem gente boa e bem em conta) e comentei o quanto eu sentia que tinha mudado depois da saia e minha terapeuta (que vai ler aqui, pq vou mandar o link pra ela haha) disse "e a terapia?" e eu "a terapia ajudou pra caralho" e ajudou mesmo, porque ajudou a fixar algumas coisas cá dentro.

A primeira e talvez mais importante pra mim é: Não, eu não sou trans. Longe disso ser um problema, mas eu me identifico de boas com meu sexo de nascimento e só curto parecer, a ideia de deixar esse meu lado mais feminino sair pra dar umas voltas, pra fazer umas fotos, passar horas em lojas online fuçando é o meu objetivo.

Uma das coisas que me aquece o coração é a ideia de modelar, fazer do crossdressismo (transformei crossdresser em verbo haha) uma arte e quando eu digo arte é no objetivo principal da arte que é chocar, é causar a estranheza, é provocar o que já está estabelecido e, com isso, transformar um pouquinho que seja a realidade do mundo... aliás, se meus relatos, minhas dúvidas e minhas conclusões ajudarem UMA pessoa a se encontrar nesse mundo confuso já vai me deixar feliz num nível que não vou conseguir explicar.

A segunda é eu ter descoberto que crossdresser é o objetivo que quero, como já disse, é um processo lento, doloroso mas que hoje olho pra trás e vejo que, velho, valeu a pena... ta valendo a pena. E o projeto é seguir em frente, por enquanto não vou falar muito, mas conforme a coisa for ganhando forma vocês vão saber!

Um parênteses antes de encerrar: Os escritos de Fernandes vão voltar, essa temporada (a terceira) é a última... o que não quer dizer que não vou escrever mais pros Contos de Fernandes, mas né... quando eu terminar e escrever tudo que planejei a história vai fechar e depois acaba virando novelão e... não esse é o objetivo.


E que esses dois anos virem três, seis, dez, vinte e que eu possa inspirar outres crossdressers a saírem, fazerem o que der na telha quando quiser! Quem foi que definiu que vestido/saia é exclusivo do vestuário feminino? Nos próximos meses vou trazer um termo novo aqui pro blog que quero expandir, o tal do genderless que se aplica mais à moda e tals, mas ainda vou boltar um conteúdo show sobre isso! Me aguardem ;)

Ah, você menina/mulher que gosta de se montar como menino, aqui tem espaço pra vocês também viu? Se tem uma coisa que esse blog quer é ouvir a voz de todo mundo!


Agora pra comemorar esses dois anos da minha saia (ainda solitária) eu fiz uma foto na laje, durante o dia... não é uma mega foto mas fica de marco especial pra data que passou! Ei-la: 




Cuidem-se, bebam bastante água, cuidado com os embustes, sejam felizes e fieis a vocês em primeiro lugar!